Meu nome é Christine Vardaros. Ciclista profissional e vegana há 12 anos, vegetariana há 22, escrevo sobreesporte, boa forma, saúde e nutrição para várias revistas e websites.
Também trabalho como porta-voz para a ONG IDA (In Defense of
Animals), que defende os direitos de todos os animais – de gorilas a cães – e
represento o Physician’s Comittee for Responsible Medicine (PCRM), uma
organização médica que faz campanhas variadas (desde o fim de testes em animais
até merendas escolares mais saudáveis para crianças na escola).
Minha jornada até me tornar uma atleta profissional vegana
começou há mais de 20 anos, quando me tornei vegetariana. Aconteceu de súbito.
Estava almoçando com uma amiga, quando ela virou para mim e disse: “Vamos ser
vegetarianas! Nós podemos alimentar o mundo quatro vezes mais e salvar o
planeta”. Eu respondi: “tudo bem, mas o que é um vegetariano?”. Ela me
explicou, nós colhemos as almôndegas de nossos pratos de espaguete e, naquele
momento, tornamo-nos vegetarianas. Na época eu não tinha ideia do impacto que
aquela pequena ação teria no resto da minha vida – especialmente na minha
carreira como ciclista, considerando que eu ainda não tinha aprendido como
andar de bicicleta.
Minha entrada no mundo do ciclismo aconteceu alguns anos
depois de me tornar vegetariana. Eu vivia no Village, em Nova Iorque, e conheci
um rapaz em uma festa polonesa. Como éramos os únicos que falavam Inglês,
começamos a conversar. No dia seguinte, ele apareceu na minha casa com uma MTB.
Foi amor à primeira vista… Pela bicicleta.
Com uma semana convenci o rapaz a vender sua bicicleta para
mim. Na terceira volta com ela, eu já estava na linha de partida da minha
primeira corrida. Eu aprendi três coisas naquele dia: primeiro, que eu era uma
ótima em descidas, uma verdadeira deusa técnica na bicicleta (provavelmente
porque eu ainda não tinha aprendido que era possível voar sobre o guidão e
quebrar todos os ossos no meu corpo); segundo, que devo sempre olhar para onde
estou indo (em uma sessão não-técnica, um amigo gritou ao fundo “você está indo
muito bem!”. Ao virar para respondê-lo, bati direto em uma árvore); terceiro,
que eu não podia escalar montanhas com muita facilidade: eu tinha problemas
para respirar. Eu tossia e cuspia constantemente. Foi aí que eu me dei conta do
quanto eu ainda era uma novata no ciclismo e de como precisava entrar em forma.
A partir daquele dia me tornei viciada na bicicleta. Embora
meu tempo fosse limitado por conta do trabalho na Morgan Stanley, uma firma de
investimentos que me tomava 65 horas por semana, eu pedalava tanto quanto
podia: no Central Park, à meia-noite; ou em pistas cobertas, às cinco da manhã.
Infelizmente, adormeci algumas vezes pedalando em locais cobertos e acordei no
outro lado do recinto à beira da parede.
Depois de alguns anos de treinamento e corridas, eu
finalmente desisti do meu emprego na Morgan Stanley e me mudei para São
Francisco para ir atrás do meu sonho de me tornar uma ciclista profissional.
Com a ajuda do meu treinador (que era, também, vegetariano), meu sonho se
realizaria um ano mais tarde.
Eu recebi minha licença profissional, mas estava tão mal de
saúde que até meus competidores me perguntavam se eu estava bem durante as
corridas. Como competia no nível mais alto, já não podia atribuir às minhas
questões de saúde falta de forma física. Depois de algumas corridas ruins,
comecei a pesquisar na Internet para ver se havia algo que eu podia fazer para
contornar o problema. Minha busca me levou até a dieta. A primeira coisa que eu
aprendi foi que leite e seus derivados são o pior inimigo do atleta. Entre as
muitas complicações de consumir leite, cito problemas respiratórios, acúmulo de
fluidos nos pulmões, tosse, desidratação, inflamação muscular e fadiga. Depois
que parei de tomar leite todos os meus sintomas foram embora. E, além disso, as
milhões de espinhas que cobriam meu rosto magicamente desapareceram!
Depois de experimentar algumas mudanças incríveis na minha
dieta pelas alterações que eu já tinha feito, estava determinada a ter a dieta
perfeita para correr – o que me levou a uma dieta completamente baseada em
plantas. Esta rapidamente se mostrou a dieta ideal para mente e corpo
saudáveis. Eu senti uma melhora dramática: tinha mais energia e me sentia
melhor de forma geral. Meus resultados de corridas também subiram
vertiginosamente e eu me encontrei no pódio, com um troféu na mão.
Foi somente depois que estabeleci a minha dieta que eu
comecei a aprender sobre o impacto da minha escolha nos animais. Depois de
descobrir que milhões de animais são torturados e mortos todos os dias para que
eu possa ter um pedaço de carne sem rosto no meu prato, eu me tornei
extremamente regrada com a minha dieta e estilo de vida de modo que ninguém
sofresse por mim. Eu prometi que, daquele momento em diante, nenhum animal
sofreria pelos meus resultados. Escolho meus patrocinadores pelo modo como eles
refletem minha filosofia, como meu patrocinador de vestuário HempAge, que faz roupas
de hemp, um dos materiais mais sustentáveis que existem.
Mitos
Apesar de meu sucesso como uma atleta que vive à base de
plantas, muitas pessoas ainda me questionam (embora não tanto quanto costumavam
fazer). Os principais argumentos que ouvi ao longo dos anos foram:
1 – Não é possível ser um atleta de alto nível com uma dieta
vegana;
2 – Uma dieta vegana é complicada;
3 – Você não tem como obter proteína suficiente de plantas,
apenas;
4 – Você não tem como sair de casa e encontrar comida.
Mito #1: “A dieta vegana afeta o desempenho”
A maior parte daquilo que nos limita em nossa performance
atlética é puramente genético. Mas, com uma dieta vegana, eu com certeza
ultrapassei o que a maioria das pessoas acreditavam ser meu limite genético.
Com uma dieta vegana, venci muitas competições internacionais em nível profissional
e representei os Estados Unidos muitas vezes em copas e campeonatos mundiais.
Embora algumas das minhas vitórias tenham ocorrido por meio de corridas de
mountain bike ou corridas de rua, a maioria dos meus resultados vêm do
cyclocross, a mais difícil de todas as disciplinas ciclísticas. Como na corrida
de obstáculos (só que com bicicletas), os corredores competem por menos de uma
hora em terreno ondulante, periodicamente descendo da bicicleta para pular
sobre barreiras ou subir uma colina. Em um esporte como este você força seu
corpo além dos limites e sua saúde tem de estar perfeita – não há espaço para
erro. Meus resultados foram ainda mais impressionantes, considerando que eu
sempre fui das atletas mais velhas. Eu tenho 43 anos e ainda deixo muitas meninas
com a metade da minha idade para trás.
Quanto aos benefícios diretos para a saúde, eu notei que,
por conta da minha dieta à base de plantas, eu posso me recuperar mais
rapidamente do que imaginei ser possível. Consigo fazer pedaladas múltiplas de
treinamento pesado ou várias corridas em seqüência e continuo me sentindo nova
no dia seguinte. Eu também me recupero mais rapidamente de lesões, mesmo as
mais sérias, como músculos distendidos e ossos quebrados. Meu nível de energia
é tão bom ou melhor que na minha época de adolescente. Consigo fazer mais
coisas em um dia do que meus amigos que comem carne e raramente fico doente, o
que me permite mais oportunidades para treinar. É mais fácil me manter magra e,
assim, posso pedalar mais rápido (especialmente em subidas). Eu nunca sofro de
prisão de ventre, o que é um pesadelo para um atleta se ele ou ela não pode ir
ao banheiro antes da competição. Por fim, meu humor está melhor. Isso é útil
quando tenho que realizar trabalhos que não são tão agradáveis, como pedalar na
chuva gélida por três horas em um dia escuro de inverno na Bélgica (onde moro
atualmente).
Mito #2: “Uma dieta vegana é complicada”
Eu ouvi muitas vezes daqueles que comem animais que uma
dieta vegana é complicada. Nada poderia estar mais longe da verdade. Este mito
se formou há muitos anos, quando o vegetarianismo começou a ganhar força. As
pessoas achavam que para evitar carne seria necessário substituí-la com
“comidas estranhas”. Ainda hoje, muita gente acredita neste conceito, incluindo
médicos e alguns atletas. Eu percebi isso quando fiz uma palestra no Dia
Mundial do Vegetarianismo, em São Francisco, com alguns outros atletas veganos,
alguns anos atrás. Enquanto eu promovia uma dieta vegana baseada em comidas
simples e corriqueiras, os outros dois deixaram a platéia estupefata com
ingredientes difíceis de pronunciar e marcas veganas caras, além de rotinas de
alimentação extremamente reguladas. Enquanto eu começava o dia com uma tigela
de aveias ou granola, os outros começavam o dia com uma batida de tofu feita
com algas marinhas, sementes de chia, goji, espirulina, hemp e sementes de
abóbora tostadas às cinco da manhã todos os dias.
Minhas refeições diárias consistem em comidas que podem ser
encontradas em qualquer supermercado, quando não cultivadas em minha própria
horta. Meu típico dia consiste em aveia ou granola para o café da manhã. Depois
da pedalada, eu bebo uma batida de recuperação feita de açúcares e um pouco de
proteína em pó, acompanhada de sanduíches de manteiga de amendoim e geleia.
Meus lanches são geralmente pedaços de fruta e, talvez, alguns pretzels. Para o
jantar, gosto de um prato grande de massa com salada e pão. Eu sempre como
sobremesa e a minha favorita atualmente consiste em duas bananas congeladas com
algumas cerejas, misturadas até ficarem macias, com um pouco de coco ralado e
pedaços de chocolate negro.
Quanto a minha versão de comida esquisita, eu tomo uma
pílula de vitamina B12 em intervalos de algumas semanas, já que não e possível
obtê-la por meio de plantas, devido aos processos químicos que matam os
micro-organismos presentes nessa vitamina essencial. Considerando que a
vitamina B12 fica armazenada no organismo por até sete anos, eu nunca tive
problemas por passar meses sem suplemento quando o mesmo acaba. Outro item que
eu comecei a incorporar na minha dieta, simplesmente para ter uma vantagem
atlética, foi beterraba. Como existe evidência de que ela aumenta resistência,
faço suco ou adiciono pedaços na minha salada todos os dias.
Mito #3: “Você não tem como conseguir proteína suficiente”
Este mito tem sido perpetuado por aqueles que a gente menos
espera, incluindo minha médica, que insistiu que eu checasse o nível de
proteínas em meu organismo quando ficou sabendo da minha dieta sem carne. O
teste mostrou que as proteínas estavam exatamente no meio da gama de valores
normais – e ela não é mais minha médica.
Já que toda planta contem proteína completa, eu consigo mais
do que o suficiente para preencher minhas necessidades diárias. Na verdade, de
uma dieta à base de plantas que não inclui comidas altamente proteicas (como
feijão e tofu), bodybuilders profissionais conseguem mais proteína do que
precisam para construir músculo. Tamanho muscular, assim como performance
atlética, são determinados primeiro por genética e depois por métodos de
treinamento. A ingestão de proteína não tem nada a ver com isso, fato que as
empresas que vendem barras de proteínas e shakes preferem abafar.
Outro médico que ficou surpreso com meus resultados há
alguns anos foi meu ortopedista, que me assistiu quando quebrei a perna durante
uma corrida de bicicleta. Depois de três dias, voltei para os raios-X. Quando
ele viu os resultados, chamou meu treinador para uma conversa e disse que havia
visto um milagre. Eu havia me curado completamente depois de três semanas,
quando a estimativa inicial era de seis semanas para o tipo de fratura que eu
havia sofrido. Assim que ele perguntou ao meu treinador como isso era possível,
este respondeu que havia me colocado em uma dieta vegana, baixa em proteína,
para uma melhor recuperação. Hoje, esse mesmo médico recomenda este tipo de
dieta para seus outros atletas profissionais. Como a maioria dos atletas
profissionais, minha dieta consiste de 70%-75% de carboidratos, 20% de gordura
e 6%-10% de proteína. Para não atletas, os números devem ser mais ou menos a
mesma coisa para a saúde plena e melhor aproveitamento do corpo.
Mito #4: “Não dá para manter uma dieta vegana fora de casa”
Um músico vegano chamado Moby criou a resposta perfeita para
isso: “Quando meus amigos carnistas entram em um supermercado, eles veem apenas
quatro coisas para comer. Eu vejo milhares de opções”.
Depois de anos de experiência viajando o mundo como uma
vegana, eu concordo com ele: eu sempre tenho escolhas. Quando preparo a minha
própria comida, sempre encontro uma variedade enorme de escolhas em qualquer
supermercado, já que a maioria dos alimentos são veganos.
Comer fora é um pouco mais complicado, já que a maioria dos
restaurantes atende aos carnistas. Mas com certeza é possível ser disciplinado
em relação à dieta, desde que eu não seja muito exigente em relação às opções
limitadas de refeições. Há sempre uma opção no cardápio que o staff do restaurante
pode adaptar ou combinar alguns pratos de vegetais como acompanhamento. Na
Bélgica, eu sempre tenho que explicar o que refeições veganas são, mas quando
entendem o que eu preciso eles geralmente fazem um esforço.
Embora de maneira geral eu consiga comer bem em
restaurantes, nem sempre isso acontece perfeitamente. Algumas vezes tive de me
virar com o mínimo, quando me deparei com barreiras linguísticas ou um chef
inflexível. Ao competir na Tour de France para mulheres alguns anos atrás, tive
que sobreviver com um jantar de pão e feijão por dois dias, mas eu aguentei
numa boa porque o corpo é flexível. Saber que era uma situação temporária me
ajudou a lidar mentalmente com ela.
De modo geral, a situação em restaurantes está melhorando.
Por exemplo, na Bélgica – que adora carne -, eles agora têm o “donderdag
veggiedag” (quinta vegetariana), iniciada pela EVA, a Sociedade Vegetariana do
país. Neste dia, os restaurantes são incentivados a oferecer refeições
vegetarianas em seu cardápio.
No final das contas, tudo se resume a reeducar as pessoas
sobre como comer de forma saudável. Com uma dieta à base de plantas, todo mundo
ganha! Os animais, o planeta e – é claro – nós. Se eu não tivesse me reeducado,
tenho certeza de que não teria conseguido ser a atleta profissional que sou e
com certeza não estaria aqui provando que uma dieta vegana é a melhor forma de
conseguir o desempenho máximo em nossos corpos.
Visite o site de Christine Vardaros, clicando aqui.
Fonte: ANDA - Tradução de Lobo Pasolini - 13.01.2013
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